sexta-feira, 13 de junho de 2014

O ato de profetizar e determinar: uma análise histórica, teológica e apologética - 1/3



Introdução


Nos últimos 30 anos, fatos importantes aconteceram no cenário evangélico brasileiro. As décadas de 80 e 90 trouxeram a lume muitas “novidades religiosas” e “tendências doutrinárias inusitadas” que ficariam marcadas para sempre. Muitos cristãos, especificamente os desatentos, que presenciaram a chegada dessas novidades e doutrinas no Brasil, não poderiam sequer imaginar que elas não seriam salutares e que devastaria, com o passar dos anos, de maneira implacável, uma proporção abrangente da igreja evangélica, embora os seus adeptos não concordem com isso, uma vez que são limitados ou praticamente leigos em relação ao conhecimento das Escrituras.

Dentre as várias “novidades religiosas” e tendências doutrinárias vigentes no Brasil, quero elencar apenas duas, que são o ato de PROFETIZAR e DETERMINAR. É importante observar que PROFETIZAR e DETERMINAR não são sinônimos, mas estão relacionados e são similares. Entretanto, ambos possuem algumas nuances que diferem entre si, o que veremos na análise teológica. Estes atos, contudo, salientam que as mais variadas bênçãos que o cristão profetiza e determina, pela fé, para si mesmo e para outras pessoas, acontecerá.

A seguir, apresentarei uma breve análise histórica, teológica e apologética dos populares atos de PROFETIZAR e DETERMINAR, que se tornaram praticamente uma doutrina no meio evangélico.

1. Análise histórica

O ato de profetizar e determinar bênçãos, tais como milagres, curas, provisão financeira, “portas abertas” e felicidade na vida sentimental têm sua origem na confissão positiva ou movimento da palavra de fé. Juntamente com a autoridade espiritual ou unção especial, que Deus concede a alguns, especialmente aos crentes “profetas” e a libertação das maldições, que incluem a pobreza, doenças e todas as frustrações ou derrotas na vida, esta “doutrina” é um dos pilares que formam a teologia da prosperidade.

Não obstante, conforme muitos acreditam, a teologia da prosperidade não teve a sua origem no movimento pentecostal clássico da primeira fase, que veio para o Brasil em meados de 1910 e, tampouco, no movimento pentecostal da segunda fase, que sucedeu a primeira em meados de 1950. Antes, a teologia da prosperidade e suas doutrinas tiveram sua origem nas religiões sincréticas da nova Inglaterra, que fica localizada nos Estados Unidos, no nordeste do país, bem no início do século 20.

Uma vez que a teologia da prosperidade possui algumas afinidades com a cosmovisão pentecostal, isto é, com suas doutrinas, como a crença em profecias, revelações, sonhos, visões, foi justamente no pentecostalismo, e, por conseguinte, no neopentecostalismo que a teologia da prosperidade e o ato de profetizar e determinar (confissão positiva ou movimento da palavra de fé) tiveram boa receptividade e se destacaram, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.

Embora Kenneth Hagin (1917-2003) seja considerado o precursor da teologia da prosperidade por muitos de seus adeptos, pesquisas meticulosas realizadas por vários estudiosos renomados demonstraram, de forma inequívoca, que o verdadeiro originador da teologia da prosperidade, ou seja, da prática de profetizar e determinar bênçãos, que faz parte da confissão positiva ou movimento da palavra de fé, foi Essek William Kenyon. Sendo assim, é importante abordar um pouco da história destes dois grandes paladinos da teologia da prosperidade e suas implicações, a saber, Essek William Kenyon e Kenneth Hagin.

a) Essek William Kenyon, o precursor da teologia da prosperidade

Nascido no condado de Saratoga, estado de Nova York, Kenyon (1867-1948) mudou-se na adolescência com os pais para a cidade de Amsterdã, região que fica localizada próximo à fronteira do Canadá. Nesta época, aos 17 anos, ele conheceu o Evangelho em uma igreja Metodista, porém, só se tornou membro da mesma aos 19 anos e, por conseguinte, um evangelista.

Via de regra, em 1892, Kenyon mudou-se para Boston, onde se casou com Eva Spurling, em 1893. Iniciou seus estudos no “Emerson College”, conhecido por ser um centro do chamado movimento “transcendental” ou “metafísico”, que deu origem a várias seitas de orientação duvidosa. Uma das influências recebidas e reconhecidas por Kenyon nessa época foi Mary Baker Eddy, fundadora da “Ciência Cristã”.1

Mais tarde Kenyon foi ordenado pastor na igreja “Free Will Baptist’s” em 1894, onde assumiu uma pequena congregação em Elmira, depois em Springyville e, ainda, em Concord, Nova York. No entanto, em 1898, ele se desliga da igreja Free Will Baptist’s. Em seguida, inicia um novo trabalho na igreja Tabernáculo, em Worcester, Massachusetts. Em 1900 ele foi transferido para a cidade de Spencer, onde fundou o Instiuto Bíblico Bethel, que dirigiu até 1923. Depois disso Kenyon foi para a Califórnia, onde fez inúmeras campanhas evangelísticas. Pregou diversas vezes no célebre Templo Angelus, em Los Angeles, da evangelista Aimee Semple McPherson, fundadora da Igreja do Evangelho Quadrangular. Pastoreou igrejas batistas independentes em Pasadena e Seattle, e foi um pioneiro do evangelismo pelo rádio, com sua “Igreja do Ar”. As transcrições gravadas de seus programas serviram de base para muitos de seus escritos.Além de sua teologia, Kenyon também foi o criador de famosos jargões populares contidos no triunfalismo, como “O que eu confesso, eu possuo” e um dos principais influenciadores dos muitos jargões populares criados no decorrer dos anos pelos adeptos do movimento de fé triunfalista.

b) As influências na teologia de Kenyon

Houve muitos debates acerca da influência de Kenyon na teologia da prosperidade e no movimento da palavra de fé triunfalista (o ato de profetizar e determinar). Conforme vimos anteriormente, quando estudou no Emerson College, em Boston, Kenyon, provavelmente teve acesso ao conhecimento metafísico. As seitas aderentes a metafísica ensinavam que a verdadeira realidade está além do âmbito físico. A esfera do espírito não só é superior ao mundo físico, mas controla cada um dos seus aspectos. Mais ainda, a mente humana pode controlar a esfera espiritual. Portanto, o ser humano tem a capacidade inata de controlar o mundo material por meio de sua influência sobre o espiritual, principalmente no que diz respeito à cura de enfermidades. Kenyon acreditava que essas ideias não somente eram compatíveis com o cristianismo, mas podiam aperfeiçoar a espiritualidade cristã tradicional. Mediante o uso correto da mente, o crente poderia reivindicar os plenos benefícios da salvação.2

O Norueguês Geir Lie afirmou em sua tese de mestrado publicada em 1994, intitulada: “E.W. Kenyon: Ministro evangélico ou fundador de culto?” que a doutrina de Kenyon foi influenciada pelos ensinamentos de John Wesley sobre santidade, mas que ele poderia ter sido influenciado também, de certa forma, por traços da metafísica cultual.No entanto, segundo pesquisas realizadas pelo Dr. Dale H. Simmons, Kenyon, além de possuir raízes nos ensinos de John Wesley, conforme Geir Lie destacou em sua tese, também foi influenciado pelo Movimento de Vida Superior e pelo movimento do Novo Pensamento. Simmons argumenta que Kenyon poderia ter tido conhecimento de ambos os sistemas.

O Movimento do Novo Pensamento foi uma onda espiritual que surgiu no final do século 19, nos Estados Unidos, obtendo grande eclosão. Este movimento consistia em um grupo formado por instituições religiosas variadas, organizações seculares, escritores, filósofos e pessoas que compartilhavam das crenças metafísicas, as quais enfatizavam os efeitos do pensamento positivo na esfera física, da lei da atração, cura através da força da mente, força vital, visualização criativa e poder pessoal. Segundo a teologia deste movimento, todas as doenças se originam da mente, e que o “pensamento positivo” em face delas produz a cura.

Um dos primeiros e principais originadores do Movimento do Novo Pensamento foi Phineas Parkhurst Quimby (1802-1866). Nascido em Lebanon, Nova Hampshire, Quimby era filósofo e hipnólogo, porém, sofria de algumas doenças. Isso, portanto, o motivou a estudar sobre o assunto, onde desenvolveu algumas ideias. Ele chegou à conclusão de que as doenças têm origem na própria mente do homem por conta de crenças falsas, “e que a mente aberta para a sabedoria de Deus vence a doença”.Quimby acreditava que “o corpo era uma casa para a mente do homem. Se havia um "inimigo" (doença ou alguma outra perturbação negativa, ênfase minha) instalado no corpo, isso se dava por uma crença errada da mente. Mesmo com o desconhecimento do portador, a mente é quem adoecia o homem. Desse modo, Quimby prometia entrar na casa e com o poder da mente expulsar o intruso, corrigindo a "impressão errada" pelo restabelecimento da "verdade" na mente.5

Contudo, quando as pessoas possuíam a crença correta, elas desenvolveriam a habilidade de curar suas próprias enfermidades por meio da força de suas mentes. Esta crença da cura pelo poder da mente tinha sua origem na teologia de um Deus amoroso que deseja o bem estar e a felicidade de todos, e de uma realidade espiritual mais profunda e tão real como é a nossa realidade física no mundo. Portanto, de acordo com as pesquisas realizadas de forma acurada, e as informações em pauta, a teologiade Kenyon, de fato, possui traços dos ensinos das seitas transcendentais, metafisicas, do Movimento de Vida Superior e, principalmente do Movimento do Novo Pensamento. 

c) Kenneth Hagin, o propagador da teologia da prosperidade

Se Kenyon foi o pioneiro da teologia da prosperidade e da confissão positiva, Kenneth Hagin foi o divulgador. Nascido em McKinney, no Texas, com um problema cardíaco congênito, Kenneth Erwin Hagin (1917-2003) teve uma infância conturbada. Quando tinha 6 anos, seu pai decidiu abandonar a família. Perto de completar 16 anos, seu estado de saúde piorou, chegando ao ponto de ficar prostrado a uma cama. Foi neste momento doloroso de sua vida que Hagin teve “experiências espirituais” marcantes. Depois de alegar que foi ao inferno e ao céu por três vezes, ele converteu-se a Cristo Jesus.

Hagin afirmou que em 1933 foi “visitado” por Jesus Cristo e curado de sua doença”.O seu testemunho tornou-se base para muitas de suas pregações de fé. Após refletir no Evangelho de Marcos 11.23-24, ele concluiu que para a pessoa receber a benção, era necessário “crer”, em seguida “declarar verbalmente a fé” e, finalmente, “agir como se já tivesse recebido a benção”. Em outras palavras, como um tipo de “fórmula mágica”, Hagin acreditava e ensinava que, para receber a benção, bastava tão somente “crer” e “profetizar, determinar ou decretar” com a boca, que aquilo que foi pedido acontecerá.

Em seu testemunho, Hagin descreve que, apesar de muito debilitado fisicamente por conta da doença, ainda assim insistia em ir para a escola, mesmo que muitos o recomendassem a não ir às aulas para permanecer em repouso. Como já havia desobedecido as recomendações médicas, ele acreditava e declarava a sua cura. Feito isso, pouco tempo depois recebeu a benção, isto é, a cura de sua doença.

Em 1934 Hagin começou seu ministério como pregador batista e três anos depois se associou aos pentecostais, em 1937. Recebeu o batismo com o Espírito Santo e falou em línguas. No mesmo ano foi licenciado como pastor das Assembleias de Deus e pastoreou várias igrejas no Texas. Em 1949 começou a envolver-se com pregadores independentes de cura divina e em 1962 fundou seu próprio ministério. Finalmente, em 1966, fez da cidade de Tulsa, em Oklahoma, a sede de suas atividades. Ao longo dos anos, o Seminário Radiofônico da Fé, a Escola Bíblica por Correspondência Rhema, o Centro de Treinamento Bíblico Rhema e a revista “Word of Faith” (Palavra da Fé) alcançaram um imenso número de pessoas. Outros recursos utilizados foram fitas cassete e mais de cem livros e panfletos. Hagin dizia ter recebido a unção divina para ser mestre e profeta. Em seu fascínio pelo sobrenatural, alegou ter tido oito visões de Jesus Cristo nos anos 50, bem como diversas outras experiências fora do corpo. Segundo ele, seus ensinos lhe foram transmitidos diretamente pelo próprio Deus mediante revelações especiais. Todavia, ficou comprovado posteriormente que ele se inspirou grandemente em Kenyon, a ponto de copiar, quase palavra por palavra, livros inteiros desse antecessor. Em uma tese de mestrado na Universidade Oral Roberts, D. R. McConnell demonstrou que muito do que Hagin afirmou ter recebido de Deus não passava de plágio dos escritos de Kenyon. A explicação bastante suspeita dada por Hagin é que o Espírito Santo havia revelado as mesmas coisas aos dois.8 

d) Os reflexos da influência dos ensinos de Kenneth Hagin no Brasil

Os ensinos de Hagin não somente influenciaram muitos pregadores norte-americanos, como Kenneth Copeland, Benny Hinn, Frederick Price, John Avanzini, Robert Tilton, Marilyn Hickey, Charles Capps, Hobart Freeman, Jerry Savelle, Paul David Yonggi Cho, dentre outros, mas também muitos pastores e pregadores brasileiros. Assim, no início dos anos 80, a teologia da prosperidade e o movimento da palavra de fé triunfalista chegaram ao Brasil por meio de conferências, literatura e vídeos. Rex Humbard, Marilyn Hickey, John Avanzini, Robert Tilton, dave Robertson e Benny Hinn foram os seus divulgadores. Estes pregadores participaram das várias conferências promovidas pela Associação de homens de Negócios do Evangelho Pleno (Adhonep).

Alguns dentre os muitos pastores e pregadores que abraçaram os ensinos de Hagin no Brasil foram a “apóstola” Valnice Milhomens, líder do Ministério Palavra da Fé, o Missionário R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça, o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, o “apóstolo” Renê Terra Nova, do Ministério Internacional da Restauração, o “apóstolo” Miguel Ângelo da Silva Ferreira, da Igreja Evangélica Cristo Vive, o pastor Silas Malafaia, da Igreja Assembleia de Deus vitória em Cristo e o pastor André Valadão, da Igreja Batista Lagoinha. Através destes líderes religiosos supramencionados e de muitos outros, a teologia da prosperidade foi se difundindo ao longo dos anos pelas igrejas de todo o Brasil através do impacto de sermões, livros e vídeos.   

Continua nos próximos dias...
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Notas:
[1] Alderi de Souza Matos. Artigo: Raízes históricas da teologia da prosperidade.
[2] Ibid.
[3] Geir Lie. E. W. Kenyon: cult founder or evangelical minister? (2003).
[4] Phineas Parkhurt Quimby.
[5] The Quimby manuscripts.
[6] Alderi de Souza Matos. Artigo: Raízes históricas da teologia da prosperidade.
[7] The new international dictionary of Pentecostal and charismatic movementsMichigan, 2003, pág 687.
[8] Alderi de Souza Matos. Artigo: Raízes históricas da teologia da prosperidade

SEGUNDA PARTE DO ESTUDO.


2. Análise teológica

Conforme esboçamos na introdução, as palavras “profetizar e determinar (ou decretar)” não são sinônimos, isto é, não possuem o mesmo significado, porém estão ligadas entre si. Analisarei o ato de “determinar ou decretar bênçãos” na parte apologética deste ensaio. Desse modo, vejamos, a seguir, as implicações do ato de profetizar no contexto do Antigo, do Novo Testamento e no tempo presente.     

a) O ato de Profetizar no Antigo Testamento

A profecia no Antigo Testamento era dada aos profetas através de palavras inspiradas vindas diretamente de Deus (Nm 22.35; Is 51.16; 59.21; Ez 2.6-7; 3.4, 10), de teofanias (Êx 3; Nm 20.16, Js 5.13-15, Jz 6.11-24; 13), sonhos (Gn 37.5-11; 1Rs 3.5) e visões (Gn 15.1; Nm 12.6; 1 Sm 3.1-21; Mq 1.1). Um homem não era profeta necessariamente porque recebia sonhos, visões, por ter realizado algum milagre, por ter feito predições e as mesmas se cumprirem, nem tampouco por se auto-intitular profeta. Antes, um homem era profeta porque recebeu o chamado direto de Deus para esta vocação, como Moisés (Êx 4.10-13), Jeremias (Jr 1.1-2), Amós (Am 7.14-15), Ezequiel (Ez 2.6-7; 3.26-27), dentre outros.
                                    
Profetizar, no Antigo Testamento, enfatizava dizer antecipadamente, por inspiração divina, o que há de suceder no futuro e abarca também expor verbalmente ou pela escrita eventos profetizados que já haviam se cumprido historicamente (veja, como exemplo, Dt 9.25-29; 1Cr 16.15-22; Ne 1.8-10; Sl 105.5-45; Jr 32.20-24; Dn 9.13-15). Palmer Robertson diz que profecia não deveria ser definida principalmente como a predição do futuro. Ao contrário, ela é a transmissão da revelação de Deus que ocasionalmente pode envolver eventos futuros.9

Entretanto, hoje não existem mais profetas do calibre dos profetas do Antigo Testamento, isto é, que recebem, falam e registram palavras inspiradas vindas diretamente de Deus, que recebem sonhos, visões e que fazem predições (este assunto será expandido a seguir, no ato de profetizar no Novo Testamento). É importante destacar que o papel do profeta no Antigo Testamento não consistia em adivinhar a vida das pessoas. Nenhum profeta do Antigo Testamento manifestou este tipo de atitude como vemos os “profetas modernos” das igrejas de cunho pentecostal e neopentecostal fazerem. Pelo contrário, a adivinhação é uma prática comum de religiões e seitas pagãs como o montanismo, xamanismo, esoterismo, religiões afro que envolvem o candomblé, umbanda e quimbanda, espiritismo, dentre outras.     

Contudo, mais do que teofanias, sonhos e visões, profetizar no Antigo Testamento era comunicar a vontade de Deus ao povo. Os profetas eram os porta-vozes de Deus que anunciavam “o que Ele haveria de fazer e o comportamento que requeria do seu povo. Essas coisas foram primeiramente anunciadas verbalmente pelos profetas e, posteriormente registradas por eles”10, que não eram apenas prognosticadores no sentido de prever eventos futuros, por exemplo, como o anúncio do cativeiro babilônico descrito em Jeremias 25.1-13; 29.10, mas, sobretudo, homens capacitados por Deus para falar a sua Palavra exortando e convocando o povo a se arrepender de seus pecados e a se voltar para Deus (Jr 1.1-10; Jn 1.1-2; 3.1-10; Ag 1; 2; Zc 1.1-6).

Quando o profeta transmitia a mensagem inspirada da parte de Deus verbalmente ou pela escrita, ele não o fazia como alguém que simplesmente reproduzia palavra por palavra que Deus havia lhe dito nem, tampouco, num estado de êxtase frenético (pulando, rodopiando, gritando), que é o comportamento usual que pessoas adeptas das seitas e religiões sincréticas, como o neopentecostalismo manifestam em seus cultos. O profeta era um agente de Deus que falava as suas palavras, porém suas características pessoais não eram suprimidas. Ele transparecia sua formação acadêmica, social e, até, econômica na transmissão verbal ou pela escrita. Assim, Deus usava o profeta de acordo com a sua capacidade e estilo. Ele transmitia a mensagem divinamente inspirada sem, contudo, anular suas próprias características e sem deixar de ser infiel às palavras que ouviu.  

b) O ato de profetizar no Novo Testamento

A profecia no Novo Testamento foi tão importante e necessária quanto à profecia no Antigo Testamento. Ainda estavam presentes no começo do período do Novo Testamento profetas com as características dos profetas do Antigo Testamento. Alguns falavam da parte de Deus mais no anonimato, haja vista que a ênfase no Novo Testamento não era mais revelacional como no Antigo Testamento, pois o Novo Testamento complementa e elucida o Antigo; ou seja, o Antigo Testamento é a promessa; o Novo Testamento é o cumprimento”11, especialmente o cumprimento das promessas e profecias da redenção.

Um profeta que esteve interposto entre o período do Antigo e do Novo Testamento foi João Batista. Ele saia pelas ruas e lugares ermos proclamando a plenos pulmões a vontade de Deus. Anunciou a vinda do reino de Deus (Mt 3.1-2), profetizou a vinda de Jesus Cristo e o pentecostes (Mt 3.3, 11-12), pregou sobre a redenção (Jo 1.29) e, também, uma mensagem ética instando o povo a se arrepender de seus pecados (Mt 3.5-10). Por outro lado, no Novo Testamento, ainda houve profetas como Ágabo, por exemplo, que fez predições ou profetizou acerca da fome que haveria de acontecer em Jerusalém no tempo do governo de Cláudio (At 11.28) e que Paulo seria preso (At 21.10-11).

No Novo Testamento, profetizar se refere mais especificamente a descrever verbalmente através da pregação do evangelho ou pela escrita fatos profetizados que já haviam ocorrido historicamente (veja, como exemplo, as pregações de Pedro em At 2.14-36; 3.12-26; 4.8-12, a pregação de Estevão em At 7.1-50 e a pregação de Paulo em Atenas, na Grécia, em At 17.22-34).

Com tudo isso, não estou dizendo que não havia um número significativo de profecias de natureza escatológica no Novo Testamento. Pelo contrário, Mateus, Pedro, João, Lucas, Paulo, dentre outros, falaram e escreveram inspirados pelo Espírito Santo acerca de eventos que se cumpriram historicamente no passado (veja Mt 24.19-20; At 2.16-18; Jo 21.15-23; Lc 21.20-23; At 20.29-32) e sobre eventos que ainda vão se cumprir historicamente no futuro (veja Mt 24.29-31; At 2.19-21; Ap 8; 9; 11.3-19; 18; 20.11-15; 21; Lc 21.25-27; 1Ts 5.1-3; 2Ts 2.1-12). Feita esta observação, entendemos a importância que o mistério profético teve no período apostólico, uma vez que o cânon das Escrituras do Novo Testamento estava sendo composto.

Heber Carlos de Campos afirma que o dom de profecia era absolutamente importante para a vida da igreja neotestamentária. Sem a manifestação deste dom a igreja haveria de padecer, pois os profetas eram a vida da igreja, as molas mestras que empurravam a igreja para frente, fazendo com que ela seguisse os caminhos indicados pelo Senhor.12 Devido a sua importância, Paulo fez questão de mencionar o dom de profecia nas quatro listas de dons apresentadas por ele em Romanos 12; 1 Coríntios 12; 14 e Efésios 4). Augustus Nicodemus Lopes corrobora que a profecia neotestamentária não é o descobrimento e revelação, em público, de pecados ocultos de pessoas presentes, mas mensagens exortativas na forma de instrução bíblica, baseadas em interpretações ex-tempore das Escrituras.13

Assim como o profeta no Antigo Testamento, o profeta no Novo Testamento também não adivinhava fatos que estavam ocorrendo no presente na vida das pessoas, como doenças, problemas conjugais, financeiros e nem pressupunha fatos futuros incertos de acontecer como os “profetas pentecostais e neopentecostais” fazem. A atitude que estes “profetas modernos” demonstram para com os crentes a fim de terem credibilidade é, indubitavelmente, manipulação psicológica, hipnose e manifestações espetaculares (Jr 14.14). A Adivinhação é um pecado condenado por Deus nas Escrituras (Lv 19.26c; Dt 18.10-14). Desse modo, profetizar não é adivinhar, antes, é edificar, exortar e consolar as pessoas [a igreja] através da pregação do evangelho (1Cor 14.3).
                                 
c) Distinção dos profetas do Antigo Testamento, dos apóstolos e dos profetas das igrejas locais     

Para que possamos compreender plenamente a questão do ato de profetizar no contexto do Antigo e Novo Testamento, é necessário delinearmos a diferença que existe entre os profetas do Antigo Testamento, dos apóstolos e dos profetas das igrejas locais. Portanto, uma das melhores formas de compreender os apóstolos e os profetas do Novo Testamento é compará-los com os profetas do Antigo. Senão vejamos:

i. Os profetas do Antigo Testamento

1. Eles foram chamados

Neste período, homens como Moisés, Jeremias, Isaías, Ezequiel, Amós, dentre outros, foram chamados diretamente por Deus para exercerem o ofício profético. O profeta do Antigo Testamento era uma autoridade oficial, isto é, um representante de Deus entre o povo. Sua autoridade adivinha da vocação divina, que também era passada publicamente a ele pelo ministério de outro profeta, como no caso de Eliseu, que foi o substituto do profeta Elias (veja 1Rs 19.6).

2. Eles foram revestidos de autoridade

Na lei de Moisés há um preceito estabelecido por Deus onde os profetas que se levantassem de modo repentino entre o povo deveriam ser julgados. Suas palavras deveriam ser examinadas para ver se, de fato, procedia de Deus ou não. Entretanto, também foi estabelecido por Deus na lei de Moisés que as palavras dos profetas reconhecidos como o próprio Moisés, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Amós e Ageu, por exemplo, fosse recebida pelo povo sem questionamento algum como sendo a Palavra de Deus falada e escrita por eles. Era como se fosse o próprio Deus falando pessoalmente por meio deles! Se houvesse questionamento por parte de alguém acerca da autoridade do profeta e de sua palavra, tal pessoa era punida por Deus, como foi o caso da sedição de Miriã e Arão contra Moisés (Nm 12.1-15), e a rebelião de Corá, Datã e Abirão, que resultou na morte deles e de seus seguidores (Nm 16.1-40).

3. Eles foram infalíveis na transmissão da profecia

A mensagem que os profetas do Antigo Testamento transmitiram era impassível de qualquer erro. Eles foram os receptores, transmissores e registradores da revelação inspirada por Deus ao seu povo.

4. Eles atuaram num âmbito universal

O ministério dos profetas do Antigo Testamento teve uma ampla extensão. Eles não falaram e escreveram somente para o povo de Israel, mas para toda a igreja de todas as épocas. A mensagem dos profetas abrange todos.

ii. Os apóstolos

1. Eles também foram chamados        

A semelhança dos profetas do Antigo Testamento, os apóstolos também foramchamados, porém, de forma pessoal por Jesus Cristo. Diferente do modo de Deus se revelar aos profetas, que era por meio de palavras diretas, sonhos e visões, a revelação de Deus aos apóstolos foi através da pessoa de Jesus Cristo. Os doze apóstolos, e de modo igual Paulo, foram comissionados como os profetas do Antigo Testamento para este ofício singular na história.  

2. Eles também foram revestidos de autoridade

O preceito estabelecido por Deus na lei de Moisés de que o profeta e sua palavra não poderiam ser questionados se aplica também as palavras faladas ou escritas dos apóstolos. Até mesmo o conselho ou a opinião pessoal de um apóstolo que não recorria as palavras do próprio Jesus, como no caso de Paulo e suas respostas em 1 Coríntios 7.6, 8, 10, 12, 25, 32, 35, 40 às perguntas feitas pela a igreja acerca do casamento, não podiam ser questionadas. As palavras dos apóstolos tinham a mesma autoridade que as palavras de Jesus. 

3. Eles também foram infalíveis na transmissão da profecia

A mensagem que os apóstolos ou pessoas associadas a eles [como Marcus e Lucas] transmitiram no Novo Testamento era impassível de qualquer erro, pois também foram receptores, transmissores e registradores da revelação inspirada por Deus à igreja.

4. Eles também atuaram num âmbito universal

De modo similar ao ministério dos profetas do Antigo Testamento, o ministério dos apóstolos alcançou não somente o povo de Israel, mas também os gentios e cristãos de todas as épocas. 

Feitas as distinções entre os profetas do Antigo Testamento e os apóstolos, fica claro que eles foram os sucessores dos profetas do Antigo Testamento. Mesmo assim, é importante observar que existem algumas pequenas distinções de caráter funcional entre o ministério dos profetas e o ministério dos apóstolos que não vejo a necessidade de esboçá-las aqui.

Abraham Kuyper assevera que o apostolado é portador do caráter de uma manifestação extraordinária, não vista nem antes nem depois, na qual nós descobrimos uma obra própria do Espírito Santo. Os apóstolos foram embaixadores especiais – diferentes dos profetas e dos atuais ministros da Palavra. Na história da Igreja e do mundo, eles ocupam uma posição única e têm uma importância peculiar.14 Por outro lado, torna-se necessário compreender, agora, o caráter do ministério dos profetas nas igrejas locais no Novo Testamento.

iii. Os profetas das igrejas locais no Novo Testamento

Estes homens não foram vocacionados por Deus como os profetas do Antigo Testamento e os apóstolos. Eles não possuíam a mesma autoridade e não eram reconhecidos como homens que falavam inspirados como os profetas, os apóstolos e também não recebiam revelações através de palavras proferidas diretamente por Deus, sonhos e visões como eles. Antes, os profetas das igrejas locais no Novo Testamento recebiam o dom da profecia no momento que eram inseridos na igreja de Cristo pela conversão. Este dom era e é uma capacitação que Deus concede aos profetas para que estes exponham oralmente a Palavra de Deus já revelada às pessoas. Desse modo, a função deles não era comunicar novas revelações, mas simplesmente interpretar corretamente as profecias já estabelecidas pelos antigos profetas e pelos apóstolos; ou seja, profetizar não é decretar que algo aconteça, como uma benção, por exemplo, mas pronunciar uma mensagem que esteja em consonância com o escopo da revelação divina registrada.    

A mensagem dos profetas [profecia], que é a exposição da Palavra de Deus revelada, não deveria ser desprezada pela igreja (1Ts 5.20), porém julgada e, se não fosse fiel, deveria ser rejeitada (1Cor 14.29). A igreja só deveria obedecer a mensagem de um profeta se a mesma estivesse em conformidade com os escritos dos profetas do Antigo Testamento e dos apóstolos. Essa regra vale para os profetas e a igreja de todas as épocas.

Tudo o que os profetas e os apóstolos fizeram está terminado. Já não há mais fundamento a ser lançado. Não há mais o ofício profético do Antigo Testamento nem o apostólico do Novo Testamento. O que Deus continua a fazer nos dias de hoje é iluminar os que são membros do seu povo para que entendam a revelação registrada na Escritura. Deus ainda opera sinais e milagres como nos tempos bíblicos, como obra de sua providência ["através da oração", ênfase minha], mas não pode ser dito que ele faz essas coisas “pelas mãos dos ministros, pastores e missionários da sua igreja hoje”, como foi dito em Atos que ele fazia os prodígios e sinais “pelas mãos dos apóstolos”. O ofício profético do Antigo Testamento e o ofício apostólico do Novo Testamento não existe mais porque já acabou a sua função dentro do plano da redenção histórica de Deus.15     

d) A necessidade do ato de profetizar no tempo presente

Estamos vivendo uma época em que o equívoco teológico e as heresias prevalecem no cenário evangélico brasileiro. As Escrituras nos alertam que nos últimos dias haveria muitos falsos profetas (Mt 24.11, 24, 2Pe 2.1; 1Jo 4.1); de fato, estamos vivendo os últimos dias. Todavia, além das antigas heresias estarem patentes hoje, porém com uma nova roupagem contextualizada, existem também novas heresias que estão sendo disseminadas. Por essa razão, a profecia é oportuna e, sobretudo, urgente. Acredito, pessoalmente, que a igreja evangélica brasileira nunca precisou tanto de profetas comprometidos e submetidos às Escrituras como nos dias atuais. A função primordial do profeta, além de ensinar, é manter a ética, ou seja, ele é responsável por apontar o erro moral, espiritual e teológico existente no meio do povo de Deus e convocá-los ao arrependimento e a se voltarem para Deus. Os profetas são o norte da igreja que, sem eles, fenece. Sendo assim, os profetas são indispensáveis para esta magna função de profetizar [pregar, ensinar, exortar] o caminho certo a igreja de Cristo em meio a uma geração religiosa que impera a corrupção, a perversão moral, espiritual e teológica (1Cor 14.22b-25, 39a). 

Continua nos próximos dias...                                                     

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Notas:
[09] Palmer Robertson. The Final World, Edimburgo: The Banner of Truth Trust, pág 4.
[10] Heber Carlos de Campos. Fé cristã e misticismo, pág 95.
[11] John MacArthur. Hebrews (Chicago: Moody Press, 1983), pág 4.
[12] Heber Carlos de Campos. Fé cristã e misticismo, pág 96.
[13] Augustus Nicodemus Lopes. O Culto Espiritual, pág 188.
[14] Abraham kuyper. A obra do Espírito Santo, pág 168.
[15] Heber Carlos de Campos. Fé cristã e misticismo, pág 83-84.      

Terceira parte do estudo.

3. Análise apologética

Profetizar, conforme vimos na análise teológica, não significa fazer predições. Não é adivinhar fatos que estão ocorrendo no presente e nem pressupor o que ocorrerá no futuro na vida das pessoas. Não é somente transmitir inspiradamente de modo verbal ou pela escrita a revelação direta de Deus como fizeram os profetas no Antigo Testamento e os apóstolos no Novo Testamento. Apesar da profecia no Antigo e no Novo Testamento envolver predições, haja vista que o cânon sagrado estava sendo composto, todavia, profetizar é, sobretudo, interpretar e expor com fidelidade a Palavra de Deus. Assim, o profeta é tanto aquele que recebeu a revelação divina, como os profetas do Antigo Testamento e os apóstolos quanto o que comunica a revelação divina, como os profetas do tempo presente. Heber Carlos de Campos ratifica que os profetas das igrejas locais já possuíam a Palavra de Deus autorizada que lhes vinha por meio dos escritos do Antigo Testamento e da mensagem apostólica que ainda estava sendo oralmente transmitida, e, pouco a pouco, sendo registrada. A função dos profetas das igrejas locais do Novo Testamento era a de interpretar corretamente o que Deus já havia anteriormente revelado.16

Não obstante, determinar, que está relacionado com profetizar, significa “ordenar” alguma coisa; “decretar” que algo aconteça. O bispo e líder da IURD, Edir Macedo, afirmou durante seu sermão baseado em Ezequiel 37, no evento “Dia da Profecia da Bênção”, no mês de maio, que a profecia não é uma mera previsão do futuro, mas sim, um ato de ordenar com palavras que fatos aconteçam. Macedo disse: “A profecia nada tem a ver com adivinhação do futuro. Nada disso! Esquece isso de que profecia é uma adivinhação do que vai acontecer amanhã. Profecia significa falar, pronunciar, promulgar, determinar”.  
                    
Dias antes da realização do evento, Macedo destacou em um programa de rádio: “Profetizar é diferente de orar”. “Uma coisa é orar, falar com Deus, rogar, pedir, suplicar. Mas nesse dia [no Dia da Profecia da Benção] nós estaremos especificamente profetizando. Quer dizer, determinando aquilo que Deus quer que seja realizado”.17 Desse modo, como adepto da confissão positiva ou movimento da palavra de fé, Macedo ensina que a palavra dos crentes tem poder para movimentar o mundo espiritual, e que isso resulta em uma cadeia de eventos no mundo físico, ou seja, em bênçãos e outras conquistas.

O ato de profetizar e determinar são simplesmente a manifestação verbal da confissão positiva, a qual distorce perfidamente o real sentido de profetizar e da petição que as Escrituras demonstram, o que veremos mais adiante. Por ser uma criação de Deus, o homem não possui autoridade para determinar ou decretar que coisas aconteçam no mundo espiritual e físico. É somente Deus, o criador e soberano que têm esta prerrogativa para determinar ou decretar eventos sobre o mundo espiritual e físico. A manifestação dos decretos de Deus na história é chamada na teologia de providência.

Kenneth Hagin, o maior divulgador da teologia da prosperidade e da confissão positiva ensinava que o crente, através da sua posição em Cristo Jesus possui autoridade sobre a esfera física e espiritual. Pela fé o crente pode determinar verbalmente o milagre, a cura, a “porta aberta”, anular a atuação dos demônios em sua vida e na vida dos outros (2Cor 4.13). Para ele, não há “impossível” para Deus (Mc 11.22-24; Lc 1.37). Deus “tem promessa para responder a oração da fé e o exercício da fé,”18 que implica não no pedido da benção em oração como Jesus e os demais autores do Novo Testamento ensinaram, mas no ato de determiná-la e a crença de “tomar posse” dela antes mesmo de recebê-la na esfera física.

Contudo, não existe em todo o Novo Testamento – nos Evangelhos e no livro de Atos um relato sequer de alguém profetizando ou determinando bênçãos para si mesmo ou para outras pessoas. Nos Evangelhos, os doentes não profetizaram ou determinaram a sua própria cura. Antes, Jesus, em sua primeira vinda, como Deus que é, curou-os por decisão soberana sem a necessidade da fé (veja Mt 12.9; 15; 14.14; 15.29-31; 22.51; Mc 1.34; Lc 7.21), e, em outros casos, exigiu a fé dos doentes para serem curados (veja Mt 9.19-22; Mc 6.5; Mc 10.46-52; Lc 8.43-48; Lc 17.11-19)onde os mesmos o pediram ou rogaram que ele os curasse (Mt 8.1-3; Mt 17.14-20; Mc 5.21-24, 35-42; Lc 7.1-10; 9.37-43). Estemesmo princípio de cura pela soberania de Deus sem a necessidade da fé do doente é visto também no livro de Atos, no período apostólico (veja At 3.1-8; 9.32-42; 20.7-10).

Todavia, Jesus, além de ser completamente homem e completamente Deus não ousou profetizar ou determinar bênçãos para si mesmo e para outras pessoas. Jesus veio não para fazer a sua própria vontade, mas para fazer a vontade de Deus Pai (Jo 6.38; Jo 4.34). Ele também não profetizou ou determinou como fazem os muitos adeptos da confissão positiva ou movimento da palavra de fé que não aceitaria passar pelo sofrimento, no caso de Jesus, o sofrimento de ser punido por Deus Pai e receber a manifestação de sua justiça pelos pecados dos pecadores eleitos, uma vez que foi o substituto deles. Jesus sofreu a ira de Deus em nosso lugar! Ele entendia que tudo o que haveria de passar fazia parte da execução do plano de Deus Pai, que seria a redenção dos pecadores eleitos (Mc 14.36).      

Via de regra, Paulo também não profetizou ou determinou a sua cura, isto é, que o espinho em sua carne, que, em minha opinião, acredito ter sido algum tipo de doença fosse removido. Pelo contrário, ele orou e entendeu que não era a vontade de Deus curar-lhe, pois aquela doença tinha como propósito torná-lo humilde, o que glorificaria a Deus (para mais detalhes, veja 2Co 12.2-10). Paulo também não profetizou e determinou que Timóteo fosse curado da doença que possuía no estômago, mas o aconselhou a manter o hábito de tomar um pouco de vinho (1Tm 5.23).

No mundo antigo, a água com frequência estava contaminada e transmitia muitas doenças. Por essa razão, Paulo recomendou a Timóteo que não se arriscasse a contrair alguma doença, nem mesmo por causa de um compromisso assumido de se abster do vinho. Ao que parece, Timóteo evitava o vinho para não comprometer o seu testemunho. Paulo queria que Timóteo usasse o vinho que, por causa da fermentação, agia como um desinfetante para proteger a saúde dos efeitos prejudiciais da água impura.19 O vinho era considerado por muitos médicos como um excelente remédio, indicado especialmente para pessoas com problemas de indigestão. Desse modo, os adeptos do ato de profetizar e determinar parecem não entender que o sofrimento, por muitas vezes, é pedagógico. Deus constantemente utiliza-o para disciplinar, ensinar e aperfeiçoar o crente (Hb 12.4-11).  

Augustus Nicodemus Lopes corrobora:

Não há qualquer exemplo no Novo Testamento de um crente dizendo: “Eu determino que isso aconteça desta maneira em nome de Jesus”. Até onde sei, não há nenhum exemplo ou ordem para que os crentes enfrentem as dificuldades e oposições desta vida determinando vitória, sucesso, libertação, meramente pronunciando palavras de maneira fervorosa. O conceito de que Deus deu aos crentes autoridade para determinar acontecimentos em termos espirituais, cósmicos e mesmo terrenos é estranho ao ensino das Escrituras.20
    
No Novo Testamento – nos Evangelhos e nas demais cartas, Jesus e os autores sacros não ensinam sobre o ato de profetizar e determinar bênçãos ou eventos como namoro, casamento, emprego ou salário melhor, casa própria, um carro, a libertação do filho viciado em drogas, a conversão do marido ou da esposa para si e para os outros. Porém, vemos ensinamentos a despeito do ato de pedir em oração as bênçãos desejadas e que os eventos supramencionados aconteçam, uma vez, é claro, que seja da vontade de Deus (veja Mt 7.7-8; 26.53; Cl 1.9-14; Tg 4.13-15; 1Jo 5.14-15). Portanto, é deveras importante apresentarmos alguns textos da Escritura que os defensores da confissão positiva ou movimento da palavra de fé utilizam para apoiar tal prática e, em seguida, interpretarmos de modo fiel cada um deles. Senão vejamos:                  

Provérbios 18.21 – A morte e a vida estão no poder da língua; o que bem a utiliza come do seu fruto. (ARA)

Segundo os adeptos do ato de profetizar e determinar, este texto faz alusão ao poder que existe na palavra, ou seja, na declaração verbal. Se alguém profere palavras negativas para si mesmo e para os outros, ambos irão obter efeitos negativos na vida. Da mesma forma, se alguém profere palavras positivas para si mesmo e para os outros, ambos irão obter efeitos positivos na vida. Contudo, esta não é a interpretação adequada. Este segundo provérbio do bloco maior (18.12-21) que, além de fazer par com o primeiro (18.20), o complementa. Os dois provérbios ressaltam a cautela no falar e os efeitos saudáveis e prejudiciais de cada palavra proferida. “O discurso benéfico produz resultados que favorecem quem fala; o discurso nocivo produz resultados que prejudicam quem fala”.21           

Nessa mesma linha de pensamento, Antônio Pereira da Costa Junior escreve:

Este versículo explica que devemos ter o cuidado de que nossas palavras não venham a nos trazer situações embaraçosas. Temos que saber como dizer as coisas, pois certamente colheremos situações que são causadas por nós mesmos. No entanto, este versículo não dá margem para dizer que são as palavras em si que nos dá o controle das circunstâncias da nossa vida. São situações específicas e não o destino do ser humano que é traçado pela verbalização dos nossos desejos interiores.22
                                       
Marcus 11.23-24 – Em verdade vos digo que se alguém disser a este monte: Erga-te e lança-te no mar, e não duvidar no seu coração, mas crer que se fará o que diz, assim lhe será feito. Por isso vos digo que tudo o que pedirdes em oração, crede que já o recebestes, e o tereis. (Almeida Século 21)

Por ter interpretado de maneira equivocada este ensinamento de Jesus, Kenneth Hagin acabou influenciando os muitos adeptos da confissão positiva ou movimento da palavra de fé a incorrerem na mesma interpretação. A expressãose alguém disser a este monte: Erga-te e lança-te no mar é uma metáfora bem comum na época de Jesus, e significa “aquele que levanta montanhas”. Esta descrição “era usada na literatura judaica a respeito dos grandes rabinos e líderes espirituais que podiam resolver problemas difíceis e aparentemente fazer o impossível”.23 O monte que Jesus se refere aqui é o Monte das Oliveiras, e o mar é o Mar Morto.

Jesus, em seu ministério terreno, e nem os apóstolos ergueram e lançaram literalmente um monte no mar. A lição que ele queria ensinar aqui é de cunho espiritual e não literal – o que é evidente. Jesus alega que nada é impossível para Deus; assim, o que o crente pedir em oração, não profetizar ou determinar, e crer que aquilo que foi pedido estiver em consonância com a vontade de Deus certamente receberá (veja Mc 14.36b; Mt 6.10b; Mt 26.39). Hendriksen diz que a figura dramática, diante do seu contexto, que fala de fé e oração, deve significar, portanto, que nada que esteja em harmonia com a vontade de Deus é impossível de ser realizado por aqueles que creem e não duvidam (Mt 17.20; 21.21; Lc 17.6).24         

2 Coríntios 4.13 – Todavia, uma vez que temos o mesmo espírito de fé, conforme está escrito: Cri, por isso falei; também nós cremos, por isso também falamos. (Almeida Século 21)

Segundo a interpretação dos defensores da confissão positiva ou movimento da palavra de fé, Paulo, aqui, ensina como o crente deve fazer para “tomar posse da benção”. O primeiro passo é crer que “já” recebeu a benção e, em seguida, manifestar a fé determinando verbalmente a mesma. Porém, o apóstolo não tinha a intenção de ensinar esta suposta “doutrina da fé triunfalista e antropocêntrica”, a qual coloca o homem no “trono”, na posição de “soberano”, e Deus na condição de servo do homem obrigado a proporcionar pela fé do mesmo todas as bênçãos. Simon Kistemaker explica:  

Paulo declara que nós temos um bem duradouro: a fé. Mas qual é a mensagem que ele transmite com a expressão o mesmo espírito de fé? Paulo não dissera nada sobre fé nos capítulos anteriores. Ele não está olhando para trás, mas para frente, e tem em mente um texto de um dos salmos (Sl 116.10, LXX: Sl 115.1), em que o salmista observa que, por causa da fé, ele falou. O santo do Antigo Testamento tem mais a dizer do que aquilo que Paulo cita aqui. O texto da Septuaginta, que Paulo segue, diz: “Eu cri, por isso falei ‘estou extremamente afligido’”. O salmista reconheceu sua dependência completa de Deus para livrá-lo da morte. Canta louvores de gratidão por ter sido livrado e estar andando na terra dos viventes. Enfrentando a morte, ele deu voz a uma oração por livramento e Deus, em resposta à fé do salmista, respondeu de modo favorável.

Por que Paulo toma essa passagem da Escritura e a aplica a seu discurso? Os rabis judeus nunca destacavam esse texto. A razão para a citação é que Paulo se identifica completamente com o salmista. Ele medita nas ideias sobre a vida e a morte expressas nesse salmo. Tanto ele como o salmista tem o mesmo espírito de fé em Deus. Muito embora Paulo seja repetidamente entregue à morte, sua fé em Deus é forte e lhe permite comunicar o evangelho de Cristo (1Ts 2.2). Ele pode dizer com o salmista: “Cri, por isso falei”, porque as aflições de Paulo são semelhantes. A prédica de Paulo abrangia a vida, a morte e a ressurreição de Jesus, como o contexto geral indica.


Assim, Paulo escreve, “nós também cremos e, portanto, falamos”. Em outro lugar ele vai fundo com a observação de que cremos com nosso coração e confessamos com nossa boca que “Jesus é o Senhor” que Deus ressuscitou dos mortos (Rm 10.9, 10). Nossa fé interior se expressa mediante nosso testemunho exterior. Quando confessamos o evangelho de Cristo obedientemente (9.13), damos evidência de nossa fé e testificamos que pertencemos à família de Deus.  

No Novo Testamento grego, os versículos 13 e 14 formam um só texto. Isso significa que o ato de crer e falar se baseia no conhecimento tanto da ressurreição de Jesus como de nossa ressurreição futura.25           

Tiago 3.10 – Da mesma boca procedem benção e maldição... (Almeida Século 21)

O apóstolo não está dizendo que as palavras que saem da nossa boca têm um poder mágico imantado de abençoar e amaldiçoar as pessoas as quais nos dirigimos. A preocupação de Tiago com seus leitores era a despeito do controle da língua. Com ela bendizemos a Deus e maldizemos as pessoas. Quando um crente fala mal do seu próximo, que foi feito a imagem e semelhança de Deus, isso equivale a falar mal do próprio Deus (3.9). “Havia, de fato, nas igrejas de seus leitores pessoas que causavam problemas com suas palavras – e eram provavelmente os mestres os quais Tiago se dirigiu no início desse capítulo e na parte final (3.13-18). O apóstolo Paulo exorta os crentes a serem coerentes no uso da língua: devem parar de falar palavras torpes, e dizer apenas o que edifica (Ef 4.29; cf Rm 12.14; 1Pe 3.9)”.26 Isso, portanto, não deve ocorrer entre os crentes, exorta também Tiago. Douglas Moo observa que os cristãos que foram transformados pelo Espírito de Deus devem manifestar integridade e pureza de coração através de palavras puras e coerentes.27   

Por outro lado, a palavra amaldiçoar também aparece no Antigo Testamento, em Genesis 9.25, Números 22.4-6, 1 Samuel 17.43, 2 Reis 2.23-24, Juízes 9.27, 2 Samuel 16.5 e Eclesiastes 7.22. Amaldiçoar, no contexto de cada passagem supramencionada, indica apenas um desejo proferido que poderes sobrenaturais causem algum tipo de mal a alguém, mas não que este desejo tenha algum poder de ser transmitido ou que “pegue”, conforme declaram os evangélicos místicos.        

Conclusão

A confissão positiva ou movimento da palavra de fé, conforme foi apresentado na análise histórica, é um dos pilares da teologia da prosperidade. Todavia, é necessário observar que a confissão positiva não nega diretamente nenhuma das doutrinas fundamentais da fé cristã. Antes, a questão subjacente é a ênfase da confissão positiva; ou seja, não é o que ela ensina, mas sim o que ela não ensina. Senão vejamos:

1) A confissão positiva não ensina que o ato de profetizar e determinar não têm poder algum para fazer com que Deus abençoe.

2) A confissão positiva não ensina que as bênçãos provêm da graça de Deus, e que não é um direito que o crente pode reivindicar.

3) A confissão positiva não ensina que o crente, ao pedir por uma benção, pode não recebê-la por não ser da vontade de Deus abençoar. Isto não significa falta de fé ou infidelidade da parte do crente, uma vez que Deus não é obrigado a responder todas as orações.

4) A confissão positiva não ensina que o critério final para que Deus abençoe não reside na fé do crente, mas em sua vontade soberana.

5) A confissão positiva não ensina que mesmo que o crente contribua financeiramente, Deus não é obrigado a recompensá-lo com bênçãos materiais.

6) A confissão positiva não ensina que Deus nem sempre irá abençoar o crente e suprir suas necessidades de modo sobrenatural, porém, na maioria das vezes irá abençoá-lo materialmente através do próprio trabalho.

7) A confissão positiva não ensina que a corrupção e a injustiça que impera no mundo não são espíritos demoníacos que podem ser repreendidos, mas que são combatidos pela a honestidade e com ações benéficas no âmbito social, político econômico.  

8) A confissão positiva não ensina que Deus, por muitas vezes, permite que os crentes, mesmo sendo fieis sofram duramente neste mundo. 

9) A confissão positiva não ensina que, quando Deus não abençoa o crente, isto não significa que ele está irado.

10) A confissão positiva não ensina que, pelo fato de muitos crentes serem pobres, isso não denota infidelidade da parte deles e nem que a riqueza é sinal da benção de Deus.

Diante das informações que foram esboçadas neste ensaio, concluímos então que, o ato de profetizar e determinar são um ensino forâneo às Escrituras e, sobretudo, herético!       
      
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Notas:
16. Ibid, pág 90.
17. Edir Macedo. A profecia não é adivinhação/O dia para profetizar. Vídeos acessados no you tube, em 12/06/2014. 
18. Kenneth Hagin. I Believe in Visions. What Faith Is, Bible FaithA Study Guide.
19. Bíblia de Estudo MacArthur. Notas de Rodapé, pág 1662-1663.    
20. Augustus Nicodemus Lopes. O que você precisa saber sobre Batalha Espiritual, pág 97-98.
21. Bíblia de Estudo Genebra. Notas de Rodapé, pág 836.
22. Antônio Pereira da Costa Junior. Artigo: Há realmente poder em nossas palavras?
23. Bíblia de Estudo MacArthur. Notas de Rodapé, pág 1298.  
24. William hendriksen. Marcus, pág 581.
25. Simon Kistemaker. 2 Coríntios, pág 216-218.
26. Augustus Nicodemus Lopes. Tiago, pág 107.
27. Douglas J. Moo. Tiago, pág 128


FONTE BLOG BEREIANOS

WILSON PLAZA

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